Protocolo Verde dos Grãos
Para procurador Ricardo Negrini, Protocolo dos Grãos muda cultura do setor.
Assinado por empresas compradoras de grãos, o Protocolo Verde de Grãos do Pará foi idealizado com o intuito de estabelecer critérios e diretrizes para as transações comerciais, a fim de evitar que os grãos comercializados provenham de áreas ilegalmente desmatadas, combatendo, assim, o avanço do desmatamento no Estado. A ideia do Protocolo é agir na cadeia econômica da soja na Amazônia de forma que as empresas envolvidas nessa produção possam se preocupar com a origem do produto que elas estão adquirindo. O blog do Programa Boi na Linha entrevistou o procurador da República no Ministério Público do Pará, Ricardo Augusto Negrini, para um balanço das atividades geradas pela adoção do protocolo no Estado.
Blog Boi na Linha: Como está o andamento da aplicação do Protocolo Verde de Grãos no Pará?
Ricardo Augusto Negrini: Da mesma forma que na cadeia da pecuária, não atuamos onde ocorre o desmatamento. Não vamos na fazenda que está desmatando para convencer a pessoa a parar de desmatar. Vamos na pessoa que compra dessa fazenda. No Estado do Pará, são mais de 200 mil fazendas, de acordo com o Cadastro Ambiental Rural. Cada uma delas é uma unidade econômica, produtiva, geralmente voltada à agropecuária, e é absolutamente inviável lidar com cada um desses produtores rurais, com cada fazendeiro, e tentar, seja punir, reprimir a atividade ilícita, seja convencê-lo a modificar o seu método de produção. É muito mais lógico – e esse foi o grande avanço no assunto - buscar os atores intermediários, que se beneficiam do desmatamento que ocorre nessas fazendas. Do ponto de vista jurídico, eles são solidários na responsabilidade ambiental. É uma responsabilidade civil da legislação ambiental que claramente coloca como poluidores todos aqueles que, de alguma forma, direta ou indireta, contribuem para a poluição.
Boi na linha: Poluição?
Negrini: O desmatamento é uma forma de poluição. Consequentemente, todos aqueles que se beneficiam dessa poluição também são poluidores. Essa lógica é muito simples, e é empregada pelo Ministério Público Federal (MPF) em todas as cadeias econômicas. Quase toda a produção relevante de soja no Pará está incluída no nosso Protocolo Verde dos Grãos, ou seja, são empresas que voluntariamente aceitaram aderir ao Protocolo. Não temos ainda um total controle, mas tem uma adesão maior na soja, no Pará, do que na pecuária, por exemplo. Temos a dimensão de que as empresas que teriam que estar presentes estão presentes. De modo geral, quase todo o território usado para a plantação de grãos no Pará está sujeito ao Protocolo Verde dos Grãos. Isso significa que essas empresas exercem um monitoramento sobre a origem dos grãos.
Boi na linha: Como o Ministério Público verifica o monitoramento?
Negrini: Com a realização periódica de auditorias. Essas auditorias estão sendo realizadas a cada um ano e meio a dois anos. Idealmente, seria todo ano. Mas, por uma série de questões estruturais, do próprio Ministério Público, uma série de motivos também, contingenciais, como pandemia, acabamos atrasando um pouco os nossos cronogramas. Na prática, estamos encerrando a segunda etapa de auditorias. É a segunda vez, apenas, que tivemos as auditorias dos grãos.
Boi na linha: Como são as auditorias?
Negrini: Da mesma forma que ocorre na pecuária, estamos trabalhando com uma coisa completamente nova. Medimos os resultados a partir dos problemas e das dificuldades que encontramos. Quando foi concebida a ideia de auditoria, talvez tenhamos imaginado que elas nos dariam respostas prontas, como, por exemplo, quem está comprando de áreas ilícitas e quem não está. Mas vimos que não é tão simples assim, tanto na pecuária, como na soja. As auditorias são realizadas por empresas diferentes. Ficamos receosos de fazer uma comparação categórica do resultado da auditoria de uma empresa A e uma empresa B se elas foram auditadas por empresas diferentes, que adotaram, por exemplo, algumas soluções um pouquinho diferentes.
Boi na linha: Mas o protocolo não é o mesmo?
Negrini: Por mais que tentemos regulamentar e escrever todas as regras e dúvidas que possam aparecer, sobra margem interpretativa. Isso, na verdade, aprendemos nas primeiras aulas de Direito - ele nunca consegue cobrir toda a realidade humana. Vislumbramos, no médio prazo, uma solução de realização de auditoria única, pelo próprio Ministério Público, ou por um parceiro do Ministério Público, por uma empresa única, contratada por todos, enfim, alguma solução que nos permita utilizar a mesma régua para todas as empresas.
Boi na linha: Quais são os principais desafios na auditoria da soja?
Negrini: Na auditoria de grãos, trabalhamos com a lista de compras das empresas e com notas fiscais. As notas fiscais são um instrumento relevante para entender quem comprou de quem. Só que há dois problemas. O primeiro é o acesso a essas notas, que são, em princípio, protegidas pelo sigilo fiscal. O Ministério Público Federal pode quebrar esse sigilo, mas para a finalidade de investigação criminal. Se não houver investigação criminal, como é o caso do Protocolo dos Grãos, que é de natureza cível, não poderia requisitar compulsoriamente as notas fiscais para a fazenda.
Boi na linha: Mas a empresa não pode entregar voluntariamente as notas?
Negrini: Preferimos que o MPF busque os bancos de dados oficiais. Mas, do ponto de vista da segurança da informação, da custódia da informação, da validação daquele banco de dados, preferiria que eu mesmo fizesse, que fosse no banco de dados e pegasse aquilo tudo, do que pedir para a empresa. Não que não confiemos nas empresas, mas não temos nenhuma garantia tecnológica, não existe configuração que permita impedir que a empresa acabe fornecendo só uma parte das notas fiscais.
Boi na linha: Qual é a outra questão?
Negrini: Temos informação de alguns casos, em que a nota fiscal está em nome de uma fazenda, mas, na verdade, o grão veio de outra. A origem da soja não tem controle sanitário, não tem vacinação. Para saber se veio da fazenda X ou da fazenda Y, o comprador muitas vezes se exime dessa verificação.
Boi na Linha – Qual é o avanço trazido pelo Protocolo?
Negrini: O primeiro é o cultural. Porque, no momento em que se inicia um projeto como esse no setor produtivo no Pará, ele acaba absorvendo uma prática que não tinha antes. Isso se insere na estrutura dessas empresas. Elas passam a ter setores de sustentabilidade, contratam empresas de monitoramento que têm um interesse legítimo de prestar um bom serviço para se manter nesse mercado. Geramos uma cultura em torno do monitoramento de origem de grãos em geral. O segundo avanço é material. Os resultados das auditorias têm sido bem razoáveis. De modo geral, resultados bons. Algumas empresas atingem quase 100% de regularidade. Pode ser que haja furos nessa auditoria? Pode, porque essas empresas estão se baseando pelas compras, pelas informações do vendedor, pela nota fiscal, e podem não ter a dimensão exata da origem daquela soja. Mas, de modo geral, tirando eventuais problemas que seriam as fraudes mesmo, esse controle é realizado, é auditado, e está funcionando. Ou seja, muitas fazendas que desmatavam, já não conseguem mais vender.
Boi na linha: E o que essas empresas fazem?
Negrini: Vão para outro ramo econômico. É algo que tem que ser estudado, o que essas pessoas fazem nessa situação. Na pecuária, sabems que as fazendas bloqueadas podem acessar o mercado ilícito. No caso da soja, isso é mais restrito, no Pará, pelo menos. Mas tudo isso ainda é muito inicial. Os resultados da primeira auditoria ainda eram um pouco desorganizados, por falta de protocolo unificado, que até hoje não tem; por falta de um conselho com o comitê gestor que possa tirar dúvidas das empresas de auditoria de maneira uniforme. No momento em que elas estão fazendo auditoria, às vezes surgem dúvidas, e temos tentado resolver de uma maneira um pouco amadora. Precisamos equalizar isso. Mas essa primeira auditoria serviu para mostrar uma grande adesão ao monitoramento de origem e resultados animadores. Esperamos avanços agora, nesse segundo ciclo. E, consequentemente, se essas empresas estão bloqueando as fazendas com desmatamento, como realmente as auditorias mostram. Se essa pressão está resultando mesmo numa redução do desmatamento ou não, é difícil de medir. Até porque temos inúmeros fatores que influenciam no aumento do desmatamento. As próprias políticas públicas federais, hoje em dia, acabam levando a esse aumento do desmatamento; declarações do presidente da República e uma série de ausências de fiscalização do Ibama. Tudo isso leva ao aumento do desmatamento.
Boi na Linha: Como solucionar essas questões?
Negrini: Um terceiro avanço é a aproximação do Ministério Público com essas empresas e outras organizações para construir soluções. O próprio Imaflora é um exemplo disso. Unidos em torno do mesmo objetivo, que é a redução do desmatamento na cadeia da soja, todos acabam contribuindo, trazendo ideias e soluções para avançar nessa agenda. Isso, sem dúvida, é um outro resultado positivo que já temos. Acredito que a adesão ao protocolo, em regra, precisa ser ampliada, inclusive para outros estados da Amazônia. Seria fundamental também, em algum momento – no longo prazo – conseguir fazer esse trabalho no Cerrado.
Boi na linha: Vocês estão abertos para dar o caminho das pedras?
Negrini: Sim, com as adaptações necessárias. A receita está dada. Nós sabemos como começar. Precisamos buscar essas empresas, o engajamento do cumprimento do Código Florestal. As grandes empresas, quase todas, aderem espontaneamente, principalmente quando têm negócios no exterior. Não querem correr o risco de se vincular ao desmatamento. Só que até essa pressão já é menor no Cerrado, porque a opinião pública mundial se volta mais para a Amazônia e nem tanto para o Cerrado, porque não associa esse bioma à floresta e não entende como uma preocupação mundial. Mas é uma questão importante no Brasil.
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